A Revolução da Segurança Automotiva no Brasil: Latin NCAP Redefine o Futuro dos Carros com Novas Avaliações e Foco na Distração Digital
O cenário automotivo global tem passado por uma transformação sem precedentes, impulsionada em grande parte pela incessante busca por inovações tecnológicas e uma conectividade cada vez mais onipresente. Em 2025, a realidade de carros que se assemelham a smartphones, repletos de telas sensíveis ao toque e interfaces digitais, é mais do que uma tendência: é a nova norma. Fabricantes, especialmente as asiáticas, têm se apressado em integrar centrais multimídia gigantes que centralizam praticamente todos os comandos do veículo, desde o ar-condicionado até o ajuste dos retrovisores e até mesmo a exibição do velocímetro. Essa “digitalização radical”, contudo, não vem sem seu quinhão de controvérsias e, mais importante, de preocupações com a segurança automotiva no Brasil e em toda a América Latina.
É nesse contexto que o Latin NCAP, um órgão independente e crucial na fiscalização da segurança automotiva em nosso continente, levanta um alerta sério. Segundo a entidade, a crescente dependência de controles puramente táteis, que eliminam o feedback físico dos botões e seletores tradicionais, está colocando os motoristas em um risco acentuado de distração. Em uma medida que promete redefinir os padrões de design e engenharia veicular, o Latin NCAP anunciou que, a partir de 2029, veículos que adotarem essa abordagem serão penalizados em seus rigorosos testes de segurança. Esta decisão marca um divisor de águas na forma como avaliamos e percebemos a tecnologia automotiva, priorizando a segurança e a experiência do motorista acima de meras estéticas digitais.

Alejandro Furas, diretor geral do Latin NCAP, não poupa palavras ao expressar a visão da organização: “Nossa visão é que estes sistemas não são bons. Todos os comandos touch, que não têm contato físico, geram uma distração. Vamos penalizar veículos que tenham essas características no próximo protocolo.” Esta declaração é um eco da crescente preocupação global com a distração ao volante, um fator que contribui significativamente para acidentes. A ausência de botões físicos obriga o condutor a desviar o olhar da estrada para localizar e interagir com as funções na tela, aumentando o tempo de “olhos fora da estrada” – uma métrica crítica na avaliação de risco. A interface digital, por mais intuitiva que possa parecer, exige uma atenção visual e cognitiva que os controles táteis e mecânicos minimizam, permitindo que o motorista opere as funções mais básicas quase que por reflexo, sem desviar a atenção da condução.
Para lidar com essa e outras complexidades da inovação automotiva, o Latin NCAP está expandindo seu escopo de avaliação. Atualmente, o órgão foca em quatro pilares essenciais: proteção de adultos, proteção de crianças, proteção de pedestres e assistências ativas. Contudo, Furas revela que uma quinta e inovadora área de estudo será implementada: a da percepção. “Criando a área da percepção, teremos um panorama mais amplo da operação do carro […]. Faremos o cálculo das variáveis que podem colocar o motorista em risco”, explica o especialista. Esta nova dimensão permitirá uma análise mais profunda de como a interface homem-máquina e os sistemas embarcados afetam a capacidade do motorista de processar informações e reagir a situações de trânsito, elevando o patamar da avaliação de veículos para um novo nível de complexidade e realismo.
Embora Furas não tenha mencionado especificamente quais modelos seriam os primeiros a sentir o impacto dessas novas diretrizes, exemplos práticos já abundam na indústria. O Volvo EX30, um SUV elétrico que personifica muitas das tendências automotivas de design minimalista, gerou discussão ao realocar o velocímetro de sua posição tradicional atrás do volante para o topo da central multimídia. Tal deslocamento, embora esteticamente limpo, obriga o motorista a desviar o olhar para uma área central, potencialmente mais baixa em seu campo de visão, para verificar a velocidade. Isso contraria a ergonomia estabelecida que busca manter as informações vitais o mais próximo possível da linha de visão da estrada.
Outro caso notório envolveu alguns modelos da BYD, uma das fabricantes de automóveis que mais tem impulsionado a eletrificação e a digitalização. Em certos veículos, os controles do ar-condicionado não dispunham de uma barra fixa na tela. Para acessá-los, o motorista precisava realizar um gesto de “arrastar para cima”, revelando os comandos na parte inferior da tela. Essa etapa adicional, por menor que pareça, representa um micro-momento de distração que pode ser crítico em velocidades mais elevadas ou em situações de tráfego intenso. Felizmente, a marca chinesa tem demonstrado adaptabilidade, ajustando essa interface em seus modelos mais recentes, o que indica uma possível resposta da indústria às preocupações emergentes sobre a segurança passiva e ativa.
Não menos preocupante é a prática de integrar o ajuste dos retrovisores externos à central multimídia. Sem controles físicos dedicados, o motorista é forçado a navegar por menus e submenus na tela, transformando o volante ou um seletor multifuncional em um “joystick” para manipular os espelhos. Essa sequência de ações, que exige múltiplos passos e desvia a atenção da estrada, é um claro exemplo de como a busca por um design “clean” pode inadvertidamente comprometer a segurança ativa. Estes são apenas alguns dos recursos que o Latin NCAP considera como fontes de distração, minando a segurança automotiva global e, em particular, no Brasil.
Além dos desafios impostos pelos controles táteis, o novo escopo de avaliação de veículos do Latin NCAP também abordará os sistemas ADAS (Sistemas Avançados de Assistência ao Motorista) configuráveis pela central multimídia. Muitos carros elétricos e híbridos de origem chinesa oferecem ao motorista a opção de desativar assistências consideradas cruciais, como o alerta de saída de faixa, o detector de placas de trânsito e o alerta de velocidade. A visão do Latin NCAP é clara: “Na nossa visão, se o motorista desligar um recurso do ADAS, este deverá estar ativo na próxima vez que ligar o carro”, enfatiza Furas. “O ideal é que o sistema nunca esteja totalmente desligado.” A lógica por trás disso é que, embora a autonomia do motorista seja importante, a função primordial desses sistemas é a prevenção de acidentes, e sua desativação permanente anula seu propósito de elevar a segurança automotiva. A intervenção de sistemas ADAS por padrão é uma medida preventiva que salva vidas, e a facilidade de desativá-los compromete essa premissa.
Essas discussões e as consequentes mudanças no protocolo Latin NCAP foram apresentadas em seu formato mais recente, com validade a partir de 1º de janeiro de 2026. A partir dessa data, será substancialmente mais desafiador para os veículos comercializados na região alcançarem a cobiçada qualificação máxima de cinco estrelas, refletindo um endurecimento significativo dos critérios de testes de colisão e segurança ativa.
As novas regras do Latin NCAP são abrangentes e foram meticulosamente projetadas para refletir os avanços tecnológicos e as crescentes exigências de segurança automotiva. Vamos detalhar as principais atualizações:
Impacto Frontal: Embora os parâmetros para a proteção de adultos permaneçam similares, a grande mudança reside na utilização de dummies mais avançados para simulação de crianças, incluindo a incorporação de assentos de elevação. Isso garante uma representação mais fiel da proteção infantil em cenários de colisão, um pilar fundamental da segurança automotiva no Brasil.
Impacto Lateral: Os testes agora serão realizados com maior velocidade e peso de colisão (60 km/h e 1.400 kg, respectivamente). Isso simula impactos mais severos e exige uma estrutura lateral mais robusta e eficiente na absorção de energia.
Impacto em Poste: A velocidade do impacto foi aumentada, e um novo ângulo de 75° foi introduzido. Este teste é crucial para avaliar a integridade estrutural do veículo em colisões laterais contra objetos estreitos e rígidos, um tipo de acidente com alta taxa de fatalidade.
Whiplash (Chicote Cervical): Pela primeira vez, a segurança de passageiros adultos no banco traseiro será avaliada, juntamente com a integridade estrutural do veículo. A proteção contra o “efeito chicote” é vital para prevenir lesões cervicais, mesmo em colisões de menor intensidade.

Folha de Resgate: Este teste avaliará a eficácia de sistemas cruciais pós-colisão, como a liberação do cinto de segurança, a abertura das portas e a funcionalidade do sistema de chamada de emergência (eCall). Para veículos elétricos e híbridos, a segurança pós-colisão das baterias e sistemas de alta voltagem também será escrutinada, uma preocupação crescente na era do carro elétrico segurança.
Teste de Evasão (Teste do Alce): Conhecido por avaliar a capacidade do veículo de desviar de um obstáculo repentino e retornar à faixa, agora será realizado a 60, 65 e 70 km/h. Isso impõe uma exigência maior sobre a estabilidade e a dinâmica veicular, componentes essenciais para a segurança ativa.
Sensor de Permanência em Faixa: Carros que oferecem manutenção automática da faixa de rodagem, e não apenas um alerta, receberão uma pontuação maior. Este avanço nos sistemas ADAS reflete a transição para uma assistência mais proativa na condução.
Sensor de Frenagem de Emergência (AEB): Serão realizados testes noturnos, e a avaliação combinará a média dos resultados urbanos e rodoviários. A capacidade de detecção e frenagem automática em condições de baixa luminosidade é um salto significativo na prevenção de acidentes.
Controlador de Velocidade: Veículos com alerta de velocidade (ou seja, que avisam o motorista quando o limite é excedido) terão uma pontuação mais alta. Isso incentiva a condução dentro dos limites legais e a conscientização sobre a velocidade.
Detector de Ponto Cego (BSD): Os critérios de distância entre os veículos para a detecção de ponto cego passarão a ser os mesmos do Euro NCAP, harmonizando os padrões de segurança automotiva e elevando a precisão desses sistemas.
Conector para Sensor de Álcool: Carros que já vêm com predisposição para receberem medidores de álcool, capazes de detectar um motorista embriagado e impedir a partida, serão favorecidos. Embora ainda não seja um item obrigatório, essa iniciativa sinaliza um futuro onde a tecnologia atua proativamente na prevenção da condução sob influência de álcool, um dos maiores flagelos da segurança automotiva no Brasil.
A partir de 2028, o Latin NCAP elevará ainda mais o sarrafo para a obtenção das cinco estrelas. Para alcançar a qualificação máxima, um carro de passeio deverá ter, impreterivelmente, os seguintes equipamentos como itens de série: Controle Eletrônico de Estabilidade (ESC), Aviso de Cinto de Segurança (SBR) para todos os ocupantes, Detector de Ponto Cego (BSD) e Assistente Automático de Velocidade (ACC). Esta é uma lista robusta de sistemas ADAS e segurança ativa que se tornarão mandatórios para os fabricantes que almejam o topo da avaliação de veículos, garantindo que os carros mais seguros do mercado latino-americano ofereçam um pacote completo de proteção.
É importante ressaltar que o Latin NCAP, apesar de sua enorme influência, opera como um órgão independente, sem um caráter regulatório direto na região. Seu corpo de diretores, composto por engenheiros sem vínculos com a indústria automotiva, garante imparcialidade. No entanto, por não ter ligação com entidades governamentais responsáveis pela homologação de veículos, as fabricantes de automóveis não são legalmente obrigadas a atender aos seus regulamentos. Apesar disso, a pressão do mercado e a conscientização do consumidor têm levado muitas montadoras a voluntariamente buscar as melhores classificações do Latin NCAP, pois isso se traduz em um importante diferencial de marketing e confiança.
O objetivo final do Latin NCAP é ir além de ser um mero “observador”. A entidade almeja se tornar uma espécie de braço independente, com atuação ligada aos governos, para regulamentar a segurança em novos modelos. Alejandro Furas traça um paralelo com a indústria de alimentos, onde as empresas são obrigadas a descrever claramente se um produto é alto em sódio, gordura ou açúcar. Da mesma forma, o Latin NCAP busca uma rotulagem de segurança automotiva clara e padronizada, que informe os consumidores de forma transparente sobre o nível de proteção que um veículo oferece.
Atualmente financiado por fundos e ONGs internacionais, o Latin NCAP busca parcerias estratégicas com governos para viabilizar seu projeto de se tornar um órgão regulatório de fato. Existem negociações em andamento com as principais autoridades de trânsito latino-americanas em países como Brasil, Argentina e Uruguai. A concretização dessas parcerias representaria um marco histórico para a legislação automotiva da região, elevando os padrões de segurança automotiva a um patamar global e garantindo que a inovação automotiva e a tecnologia automotiva sejam sempre guiadas pela proteção da vida humana.
Em retrospectiva, 2025 e os anos subsequentes marcam um período de intensa redefinição para a segurança automotiva no Brasil e na América Latina. A crescente digitalização dos interiores dos veículos, embora traga conveniência e uma estética futurista, apresenta desafios significativos em termos de distração ao volante. O Latin NCAP, com sua abordagem proativa e um protocolo de testes de segurança expandido e mais rigoroso, está na vanguarda dessa discussão. Ao introduzir a área da percepção, endurecer os critérios para sistemas ADAS e exigir equipamentos de segurança ativa como padrão, a entidade não apenas eleva os padrões, mas também força as fabricantes de automóveis a repensar a integração da tecnologia com a experiência do motorista. O futuro promete carros mais seguros, com consumidores mais informados e uma legislação automotiva mais alinhada às necessidades de proteção em um mundo cada vez mais conectado e automatizado.

