O Futuro Já Chegou: Por Que Mais da Metade dos Motoristas Terá um Carro Elétrico até 2035
A paisagem automotiva global está em plena metamorfose, e o ronco dos motores a combustão, outrora símbolo de poder e liberdade, começa a ser substituído pelo silêncio eficiente dos veículos elétricos. Se a década de 2010 viu os híbridos ganharem tração, e o início dos anos 2020 marcou a entrada massiva dos carros elétricos (EVs) no mercado, a projeção para os próximos dez anos é ainda mais audaciosa: cerca de 57% dos motoristas globalmente terão um carro elétrico em suas garagens até 2035. Esta não é uma mera especulação futurista, mas uma conclusão embasada em um estudo recente da Accenture, uma das maiores consultorias de tecnologia da informação do mundo, que entrevistou milhares de consumidores em diversos mercados estratégicos. O Brasil, longe de ser um mero espectador, emerge como um protagonista fundamental nesta revolução, com números de vendas que espelham e, por vezes, superam as expectativas.
A onda de eletrificação não é apenas uma tendência passageira; é uma resposta multifacetada às exigências de um mundo que clama por soluções mais sustentáveis, eficientes e economicamente viáveis. Em 2023, o mercado global de EVs já havia alcançado a impressionante marca de 14 milhões de unidades vendidas, um marco que, segundo dados do Global EV Outlook, consolidou a posição dos elétricos como o segmento de maior crescimento na indústria automotiva. Agora, em 2025, as projeções se ajustam e se expandem. O ano de 2024 fechou com uma expectativa de mais de 20 milhões de unidades vendidas globalmente, um salto exponencial impulsionado pela inovação tecnológica e pela crescente conscientização ambiental. A eletrificação é, inegavelmente, o caminho sem volta para a mobilidade do século XXI.
Acelerando no Cenário Brasileiro: Uma Transformação Visível
Se o cenário global pinta um quadro de transição acelerada, o Brasil se destaca como um mercado de crescimento excepcional. Há apenas dois anos, em 2023, o país registrava pouco mais de 19 mil emplacamentos de veículos eletrificados (incluindo híbridos e puramente elétricos). Em 2024, esses números explodiram, superando a marca de 65 mil unidades vendidas, um aumento que quase triplicou as vendas em apenas um ano. Este ímpeto não mostra sinais de desaceleração. Para 2025, as projeções mais conservadoras apontam para mais de 100 mil veículos eletrificados rodando nas ruas brasileiras, impulsionando a mobilidade sustentável a novos patamares.
Esta guinada se reflete na diversidade de modelos e na agressividade com que as montadoras, tanto as tradicionais quanto as novatas asiáticas, investem no mercado brasileiro. Os incentivos fiscais, ainda que pontuais e variados por estado, são um catalisador crucial. O exemplo do médico Eduardo Campelo, que trocou seu SUV a combustão por um hatch elétrico, ilustra perfeitamente essa dinâmica. “O principal fator que me motivou a comprar um veículo elétrico foi a economia de combustível e de IPVA, uma vez que Pernambuco tem isenção total”, relata Campelo. Sua experiência não é isolada. Em estados como Pernambuco e outros que oferecem isenção ou reduções significativas no IPVA para veículos elétricos, o custo-benefício do carro elétrico se torna irrefutável. A perspectiva de economizar milhares de reais anualmente em impostos e abastecimento, especialmente com os preços voláteis dos combustíveis fósseis, é um argumento de peso para o consumidor brasileiro.
Além dos incentivos fiscais, o fator ambiental também pesa cada vez mais na decisão de compra. A busca por uma pegada de carbono reduzida e a contribuição para um ar mais limpo nas grandes cidades são motivadores para muitos. Campelo resume a situação com clareza: “A eletrificação é inevitável, porque as montadoras precisam cumprir as metas de emissão de poluentes impostas nas várias regiões do mundo, que são cada vez mais rigorosas. Dessa forma, a indústria automobilística é obrigada a buscar alternativas e os veículos eletrificados entram exatamente nesse contexto.” A pressão regulatória global, combinada com a demanda crescente por produtos mais limpos, empurra a tecnologia automotiva para a eletrificação de forma irreversível.
O Motorista do Futuro: Prioridades e Expectativas
A pesquisa da Accenture, realizada com 6.000 consumidores em mercados tão diversos como Estados Unidos, Itália, Alemanha, França, China e Japão, oferece insights valiosos sobre o perfil do futuro proprietário de veículo elétrico. Quase metade (47%) dos motoristas entrevistados já está convencida de que o futuro pertence aos veículos elétricos, demonstrando uma mudança cultural significativa na percepção da mobilidade.
Os fabricantes de automóveis, portanto, precisam se concentrar nas necessidades e anseios desses consumidores em evolução. Mais do que apenas um meio de transporte, o EV é visto como uma extensão de um estilo de vida consciente e tecnologicamente avançado. As prioridades incluem:
Economia de Combustível e Manutenção: A ausência de trocas de óleo, filtros e a menor quantidade de peças móveis nos motores elétricos resultam em uma manutenção do carro elétrico significativamente mais barata. A economia de combustível, ou melhor, de energia, é o carro-chefe, com o custo por quilômetro rodado sendo drasticamente menor em comparação aos veículos a combustão.
Sustentabilidade: A preocupação com o impacto ambiental de veículos elétricos é uma força motriz. A redução das emissões de poluentes locais e a percepção de contribuir para um planeta mais verde são fatores decisivos para muitos.
Eficiência e Desempenho: Os veículos elétricos oferecem uma experiência de direção superior, com torque instantâneo, aceleração suave e um silêncio a bordo incomparável. A autonomia dos carros elétricos modernos já permite viagens de longa distância, mitigando a “ansiedade de alcance” que outrora era uma barreira.
Tecnologia e Inovação: Os EVs são plataformas para as últimas inovações automotivas, desde sistemas avançados de assistência ao motorista (ADAS) até conectividade V2X (veículo-para-tudo), tornando a experiência de dirigir mais segura, confortável e integrada.
Infraestrutura de Carregamento: O Desafio e a Solução
O principal gargalo para a adoção massiva de veículos elétricos, especialmente em um país de dimensões continentais como o Brasil, sempre foi a infraestrutura de carregamento. No entanto, este cenário está mudando rapidamente. Em 2025, já observamos um crescimento exponencial na rede de eletropostos em todo o território nacional.
Carregamento Residencial: A grande maioria dos proprietários de EVs realiza o carregamento em casa, durante a noite, utilizando carregadores de parede (wallboxes) que oferecem conveniência e um custo de energia geralmente menor.
Carregamento Público: O número de eletropostos públicos e semipúblicos (em shoppings, supermercados, estacionamentos corporativos) disparou. Iniciativas governamentais, como a aprovação de leis que incentivam a instalação de pontos de carregamento em condomínios e estabelecimentos comerciais, juntamente com investimentos privados de empresas de energia e montadoras, estão expandindo a rede.
Carregamento Rápido (DC Fast Chargers): Para viagens de longa distância, os carregadores rápidos se tornaram essenciais. Em 2025, já é possível encontrar corredores de carregamento veicular rápido conectando grandes cidades e capitais, diminuindo o tempo de parada e tornando as viagens mais viáveis. A meta é que, até 2030, a densidade de carregadores rápidos seja comparável à de postos de combustível em muitas rotas.
Empresas como a Raízen Power, EDP, Shell Recharge e diversas startups brasileiras estão investindo pesado na expansão dessa rede, tornando o ato de “abastecer” um carro elétrico cada vez mais simples e acessível. A interoperabilidade entre as redes de carregamento e a padronização dos conectores são áreas de foco para garantir uma experiência de usuário fluida.
Além da Tomada: Inovações que Definem a Década Elétrica
A revolução dos veículos elétricos vai muito além da simples substituição de um motor a combustão por um elétrico. Ela impulsiona uma cascata de inovações que redefinirão a forma como interagimos com nossos veículos e com o ambiente urbano.
Baterias de Estado Sólido: Embora ainda em fase de desenvolvimento e testes para produção em larga escala, as baterias de estado sólido prometem ser o próximo grande avanço. Elas oferecem maior densidade energética (significando mais autonomia com menos peso), tempos de carregamento mais rápidos e maior segurança em comparação com as baterias de íon-lítio atuais. A expectativa é que comecem a aparecer em modelos de produção limitada no final desta década, pavimentando o caminho para EVs ainda mais eficientes e acessíveis.
Veículo-para-Rede (V2G – Vehicle-to-Grid): A ideia de que seu carro elétrico pode não apenas consumir, mas também fornecer energia de volta para a rede elétrica é uma realidade em expansão. Em horários de pico ou em situações de emergência, os EVs poderiam atuar como grandes “bancos de energia” sobre rodas, contribuindo para a estabilidade da rede e, potencialmente, gerando receita para seus proprietários.
Integração com Cidades Inteligentes: Os veículos elétricos são peças-chave no conceito de “smart cities”. Com sua conectividade inerente e capacidade de ser programado, o EV pode se comunicar com a infraestrutura urbana, otimizando rotas, encontrando vagas de estacionamento e programando carregamentos de forma eficiente.
Sustentabilidade Pós-Uso: A indústria está cada vez mais focada na segunda vida e na reciclagem das baterias. Baterias com capacidade reduzida para veículos ainda podem ser utilizadas para armazenamento de energia em residências ou indústrias, e o ciclo de vida dos materiais está sendo aprimorado para minimizar o impacto ambiental ao final de sua vida útil.
O Caminho para 2035: Uma Revolução Automotiva em Pleno Vapor
A projeção de que 57% dos motoristas terão um carro elétrico em 2035 é mais do que um número; é um indicativo de uma revolução automotiva que já está em andamento. O Brasil, com seu mercado consumidor robusto e sua crescente conscientização sobre a mobilidade sustentável, está no centro dessa transformação. Os desafios, embora significativos, como o custo inicial dos veículos e a expansão da infraestrutura, estão sendo gradualmente superados pela inovação, pelo investimento e pelas políticas públicas.
Estamos testemunhando uma era sem precedentes na história da indústria automotiva, onde a eletrificação não é apenas uma opção, mas o destino. Os veículos elétricos não são apenas o futuro; eles são o presente, moldando um caminho para um transporte mais limpo, eficiente e inteligente para as próximas gerações. À medida que 2025 avança, a certeza de que a maioria dos motoristas abraçará essa nova era da mobilidade se torna cada vez mais concreta, pavimentando o caminho para um mundo mais conectado e sustentável.
