A Era Digital no Volante: Como a Ausência de Botões Redefine a Segurança Automotiva no Brasil e o Desafio da Indústria em 2025
A indústria automotiva global está em constante metamorfose, impulsionada por avanços tecnológicos que prometem revolucionar nossa experiência ao volante. No entanto, enquanto nos deslumbramos com as telas gigantes e a conectividade que transformam nossos carros em verdadeiros “smartphones sobre rodas”, uma voz importante se levanta para questionar o custo dessa inovação: a segurança. Em 2025, o debate sobre a proliferação de comandos sensíveis ao toque e a gradual eliminação dos botões físicos atinge um ponto de inflexão crítico, com o Latin NCAP, o renomado órgão independente de segurança automotiva, anunciando medidas drásticas que penalizarão veículos com essa abordagem a partir de 2029.
Essa não é apenas uma mudança regulatória; é um convite à reflexão sobre a ergonomia, a cognição humana e o que realmente significa projetar um veículo seguro em um mundo cada vez mais digitalizado. Como especialista com uma década de experiência no setor, posso afirmar que estamos diante de uma das transformações mais significativas em décadas, com implicações profundas tanto para os fabricantes quanto para os consumidores brasileiros.
A Ascensão da Interação Tátil: Conveniência ou Perigo Oculto?
Nos últimos anos, especialmente com a ascensão das marcas asiáticas, notadamente as chinesas, o design de interiores automotivos passou por uma transição radical. Botões, alavancas e mostradores analógicos deram lugar a vastas centrais multimídia, que concentram quase todas as funções do veículo. Ajustar o ar-condicionado, os retrovisores, controlar o sistema de som, e até mesmo visualizar informações essenciais como a velocidade, migraram de seus locais tradicionais para a superfície brilhante de uma tela sensível ao toque. A promessa é de um painel mais limpo, moderno e intuitivo, mas a realidade no dia a dia do motorista pode ser bem diferente.

O Latin NCAP, ao observar essa tendência, acende um alerta vermelho. Alejandro Furas, diretor geral do órgão, foi categórico em sua declaração: “Nossa visão é que estes sistemas não são bons. Todos os comandos touch, que não têm contato físico, geram uma distração. Vamos penalizar veículos que tenham essas características no próximo protocolo.” Essa afirmação, que ressoa profundamente nos corredores da indústria, não é leviana. Ela se baseia em estudos de engenharia de fatores humanos que demonstram consistentemente o aumento do tempo de desatenção à via quando o motorista precisa desviar o olhar e focar em uma tela para realizar funções rotineiras.
Pensemos na simples ação de ajustar a temperatura do ar-condicionado. Em um carro com botões físicos, o motorista pode fazê-lo instintivamente, pelo tato, mantendo os olhos na estrada. Em um veículo com tela tátil, ele precisa olhar para a central multimídia, localizar o ícone, tocar nele, e, muitas vezes, deslizar o dedo ou pressionar múltiplos submenus para atingir o objetivo. Cada segundo de desvio de atenção a 100 km/h representa dezenas de metros percorridos sem total foco na direção – um risco inaceitável em um cenário de tráfego intenso.
Exemplos práticos já se tornaram notórios. O aguardado Volvo EX30, um SUV elétrico compacto que promete revolucionar o mercado de carros elétricos com sua tecnologia automotiva avançada e design de interiores automotivos minimalista, posiciona o velocímetro no topo da central multimídia. Isso obriga o motorista a mover o olhar para o centro do veículo, em vez da posição tradicional acima do volante. Embora o objetivo seja um visual “limpo”, o custo cognitivo para o motorista é palpável. Da mesma forma, alguns modelos anteriores da BYD, outra gigante asiática com forte presença no Brasil, exigiam gestos específicos para exibir os controles do ar-condicionado, adicionando mais uma camada de complexidade e distração. O ajuste dos retrovisores, que em muitos modelos modernos é feito navegando por menus e usando o volante como um joystick virtual, é outro exemplo clássico dessa tendência que o Latin NCAP considera prejudicial à segurança automotiva.
A Nova Dimensão da Segurança: A Área da Percepção
Até então, as avaliações do Latin NCAP se concentravam em quatro pilares fundamentais da avaliação de segurança veicular: proteção de adultos, proteção de crianças, proteção de pedestres e assistências ativas. Contudo, o Dr. Furas anunciou a criação de uma quinta área de estudo: a da percepção. “Criando a área da percepção, teremos um panorama mais amplo da operação do carro”, explicou ele, sublinhando que o objetivo é calcular as variáveis que podem colocar o motorista em risco devido à interface com o veículo.
Essa mudança é estratégica e demonstra a evolução da compreensão sobre segurança veicular. Não basta que um carro seja robusto em um teste de colisão ou que possua sistemas ADAS avançados; é preciso que o motorista possa operá-lo de forma intuitiva, sem que as interfaces digitais se tornem um obstáculo para a concentração na condução. A área da percepção analisará como o motorista interage com os comandos do veículo, o tempo que leva para executar tarefas rotineiras, e como essa interação afeta seu foco na estrada. Isso significa que, mesmo um veículo com altos níveis de tecnologia, como os novos carros 2025 que já estão sendo projetados, poderá ser penalizado se a interface do usuário comprometer a atenção do condutor.
O Dilema dos ADAS Configuráveis: Segurança “On Demand”?
A questão da interface tátil não é a única preocupação do Latin NCAP. Outro ponto crítico levantado é a capacidade de configurar e, em muitos casos, desligar sistemas ADAS (Sistemas Avançados de Assistência ao Motorista) através da central multimídia. Muitos veículos modernos, especialmente os de origem chinesa, permitem que o motorista desative assistências vitais, como o alerta de saída de faixa, o detector de placas e o alerta de velocidade.
Para o Latin NCAP, essa flexibilidade, embora pareça dar controle ao motorista, na prática, pode comprometer a segurança. “Na nossa visão, se o motorista desligar um recurso do Adas, este deverá estar ativo na próxima vez que ligar o carro”, afirmou Furas. “O ideal é que o sistema nunca esteja totalmente desligado.” A lógica por trás dessa exigência é clara: os ADAS são projetados para mitigar riscos e prevenir acidentes. Se o motorista tem que lembrar de ativá-los a cada nova viagem, ou se pode desativá-los permanentemente, o propósito de sua existência é enfraquecido. A prioridade máxima deve ser a segurança automotiva, e isso inclui garantir que os recursos de proteção estejam sempre operacionais por padrão.
O Protocolo Latin NCAP 2026: Um Novo Nível de Rigor
As mudanças de percepção e a gestão dos ADAS são parte de um protocolo de avaliação muito mais abrangente e rigoroso que o Latin NCAP apresentou, com validade a partir de 1º de janeiro de 2026. A partir dessa data, será significativamente mais difícil para os veículos vendidos na América Latina, incluindo o Brasil, alcançarem a qualificação máxima de cinco estrelas – o selo dourado de melhores carros seguros.
Vamos detalhar as principais atualizações que reforçam a investimento em segurança veicular:
Impacto Frontal: Embora não haja grandes mudanças para a proteção de adultos, o teste agora emprega dummies mais avançados, incluindo aqueles com assento de elevação para simulação de crianças, oferecendo uma análise mais precisa da proteção infantil.
Impacto Lateral: A velocidade e o peso da colisão aumentaram para 60 km/h e 1.400 kg, respectivamente. Isso simula cenários de acidentes laterais mais severos, exigindo estruturas laterais ainda mais robustas e eficientes em absorver energia.
Impacto em Poste: A velocidade do teste foi elevada, e o ângulo de impacto agora é de 75°, tornando-o mais desafiador e representativo de acidentes reais onde o veículo colide com um objeto fixo e estreito.
Whiplash (Chicote): Este teste não avaliará apenas a segurança dos ocupantes dos bancos dianteiros em caso de colisão traseira, mas também a proteção dos passageiros adultos no banco traseiro, bem como a integridade estrutural do veículo pós-impacto. Isso é crucial para a proteção cervical, uma das lesões mais comuns em colisões traseiras.
Folha de Resgate: Uma novidade fundamental. Serão avaliados sistemas como a liberação do cinto de segurança, a abertura das portas após um impacto, a presença de sistemas de chamada de emergência (e-Call) e, importantíssimo para o contexto atual, a segurança pós-colisão de carros elétricos e híbridos, que apresentam desafios únicos relacionados a baterias de alta voltagem.

Teste de Evasão (Teste do Alce): Este teste, que avalia a capacidade do veículo de desviar de um obstáculo repentino sem perder o controle, agora será realizado em múltiplas velocidades: 60, 65 e 70 km/h. Veículos que demonstrem maior estabilidade e controle nessas situações receberão pontuações mais altas.
Sensor de Permanência em Faixa: Carros que possuírem sistemas de manutenção automática de faixa (Lane Keep Assist) receberão uma nota superior. Este recurso vai além de apenas alertar o motorista, atuando ativamente para manter o veículo na faixa.
Sensor de Frenagem de Emergência (AEB): O teste de frenagem autônoma de emergência será expandido para incluir avaliações noturnas, um cenário onde a visibilidade é reduzida e muitos acidentes ocorrem. A pontuação combinará a média dos resultados urbanos e rodoviários, refletindo a eficácia do sistema em diferentes contextos.
Controlador de Velocidade: Carros equipados com alerta de velocidade, que avisam o motorista quando ele excede o limite, receberão maior pontuação. Este é um passo em direção a uma condução mais consciente e dentro dos limites legais.
Detector de Ponto Cego (BSD): Os critérios para este sistema, que alerta o motorista sobre veículos nas áreas de ponto cego, serão alinhados com os rigorosos padrões do Euro NCAP, garantindo uma detecção mais precisa e eficaz.
Conector para Sensor de Álcool: Embora ainda não seja obrigatório, veículos com predisposição para receberem medidores de álcool (alcocheque) que detectam um motorista embriagado serão favorecidos na avaliação. Esta medida proativa visa incentivar a adoção de tecnologias que combatam a condução sob efeito de álcool, um dos maiores fatores de risco em acidentes.
As Cinco Estrelas do Futuro: Equipamentos Obrigatórios a Partir de 2028
Além de todas essas atualizações nos testes, o Latin NCAP estabeleceu um marco crucial para a obtenção das cobiçadas cinco estrelas. A partir de 2028, um carro de passeio só poderá atingir a qualificação máxima se possuir, impreterivelmente, os seguintes equipamentos como itens de série:
Controle Eletrônico de Estabilidade (ESC): Essencial para prevenir derrapagens e perda de controle em manobras bruscas ou em superfícies escorregadias.
Aviso de Cinto de Segurança (SBR): Não apenas para o motorista, mas para todos os ocupantes, garantindo que todos estejam devidamente protegidos.
Sensor de Ponto Cego (BSD): Como já mencionado, alinhado aos padrões europeus.
Assistente Automático de Velocidade (ACC): O controle de cruzeiro adaptativo, que ajusta a velocidade do veículo para manter uma distância segura do carro à frente, contribuindo para a redução da fadiga do motorista e a prevenção de colisões.
Essas exigências elevam o patamar de segurança de forma substancial e pressionam os fabricantes a incorporar essas tecnologias em todos os seus modelos, e não apenas nas versões mais caras. Para o consumidor, isso significa que, ao adquirir um veículo cinco estrelas a partir de 2028, ele estará levando para casa um carro intrinsecamente mais seguro, com um pacote de sistemas ADAS robusto e de série.
Latin NCAP: De Órgão Independente a Força Reguladora
Atualmente, o Latin NCAP opera como um órgão independente, sem poder regulatório direto. Isso significa que, embora suas avaliações tenham enorme peso e influenciem a decisão de compra de muitos consumidores – e, por consequência, o preço de seguro de carro, que é muitas vezes mais vantajoso para veículos mais seguros – as fabricantes não são legalmente obrigadas a seguir suas diretrizes. As normas de segurança obrigatórias são definidas por cada mercado e seus respectivos órgãos governamentais.
No entanto, o Latin NCAP tem uma ambição clara e transformadora: tornar-se um braço regulatório, atuando em parceria com os governos da região para padronizar e elevar os requisitos de segurança para novos modelos. Alejandro Furas ilustra essa visão com uma analogia perspicaz: ele compara a rotulagem de segurança automotiva à da indústria de alimentos, onde as empresas são obrigadas a descrever se um produto é alto em sódio, gordura ou açúcar. Da mesma forma, os consumidores deveriam ter informações claras e padronizadas sobre a segurança intrínseca de um veículo.
Com financiamento de fundos e ONGs internacionais, o Latin NCAP está ativamente buscando parcerias com governos para concretizar esse projeto. Existem negociações em andamento com as principais autoridades de trânsito na América Latina, incluindo Brasil, Argentina e Uruguai. Se essas parcerias se concretizarem, as recomendações do Latin NCAP poderiam se transformar em leis, estabelecendo um novo padrão ouro para a regulamentação automotiva na região.
O Futuro da Experiência no Volante: Conectividade com Consciência
A era digital no volante é uma realidade inegável. A conectividade veicular, os sistemas ADAS avançados e a eletrificação são pilares do futuro da mobilidade. No entanto, o Latin NCAP nos lembra que a tecnologia deve ser uma aliada da segurança, e não um obstáculo. A busca por um design minimalista e futurista não pode comprometer a ergonomia e a facilidade de uso, especialmente em um ambiente tão crítico como o de condução de um veículo.
Para os fabricantes, o desafio é reavaliar suas estratégias de design de interiores automotivos e investir em pesquisa e desenvolvimento que busquem o equilíbrio perfeito entre inovação, estética e, acima de tudo, a segurança automotiva. Isso pode significar a reintrodução inteligente de botões físicos para funções essenciais, aprimoramento da resposta tátil em telas, ou o desenvolvimento de interfaces de voz mais robustas e confiáveis.
Para os consumidores brasileiros, a mensagem é clara: ao procurar novos carros 2025 e adiante, vá além do visual e da lista de gadgets. Pergunte sobre a usabilidade dos controles, sobre a capacidade de desativar sistemas de segurança e, claro, verifique a classificação do Latin NCAP. A informação e a conscientização são nossas melhores ferramentas para exigir veículos que nos ofereçam não apenas o conforto da tecnologia, mas a garantia inegociável de um deslocamento seguro. O futuro da segurança automotiva no Brasil será moldado por essa conversa vital entre inovação e responsabilidade.

